ID: 36382
Autoria:
Virginia Drummond Guitel.
Fonte:
Revista Economia & Gestão, v. 6, n. 12, p. 1-32, Janeiro-Junho, 2006. 32 página(s).
Palavras-chave:
Expatriados , Gestão crosscultural , Gestão inter-cultural , Gestores internacionais
Tipo de documento: Artigo (Português)
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As empresas e as organizações em geral têm passado por muitas modificações nos últimos anos, devido a mudanças em seu meio externo. Tais mudanças corroboram um novo paradigma de gestão preconizado, por exemplo, pelos pesquisadores W. Hesterley e C. Brooklyn Derr. Uma abundância de termos tem emergido nos últimos anos a fim de descrever esse novo paradigma: organizações híbridas (POWELL, 1987), organizações em rede (MILES; SNOW, 1986; 1992), organizações horizontais (HALAL, 1994), alianças estratégicas (KANTER, 1989) e downsizing (TOMSAKO, 1991) são algumas das tendências mais representativas presentes na lista”. Uma das principais conseqüências dessas tendências organizacionais e estratégicas refletese diretamente na gestão de pessoas, de maneira que esta também tem passado por profundas mudanças nos últimos anos. Além do grande desafio que consiste em prever quais cargos devem continuar e quais devem ser extintos, a Gestão Internacional de Recursos Humanos (GIRH) vê-se em face de uma situação em que o número de expatriados é cada vez menor, e os gestores indicados para expatriação devem ser, por conseguinte, muito bem preparados, e escolhidos com cuidado a partir de uma lista pré-estabelecida de indivíduos altamente qualificados e valorizados pelas organizações. Essa realidade advém do fato de que as fronteiras das organizações estão cada vez mais difusas e mal delimitadas, o mundo de maneira geral está se tornando mais perigoso, e as práticas locais de recrutamento têm se disseminado como tendência por toda parte. Os indivíduos-chave selecionados com grande apreço têm um novo papel a desempenhar nesse novo paradigma organizacional. Além de serem portadores de grandes habilidades lingüísticas e técnicas, que lhes permitam trabalhar em qualquer lugar do mundo, também devem ser capazes de comunicar valores e propósitos estratégicos, aproveitar oportunidades e recursos que o ambiente local tem a oferecer, e decidir o que deve ser adaptado, levado em consideração e padronizado. A coerência das escolhas estratégicas de descentralização, bem como a escolha entre o mercado e a firma, estão intimamente ligadas a competências humanas especificas. Ao escrever este artigo, partimos do postulado segundo o qual uma “competência intercultural” pode ser definida como “a capacidade de se comunicar de maneira eficaz com pessoas de um universo cultural diferente, seja ele nacional, organizacional, funcional ou profissional”. Estudos realizados no campo da comunicação intercultural confirmam que, para que o processo de comunicação seja bem sucedido, dois grupos de culturas diferentes devem construir, por meio de suas interações, um conjunto comum de valores, no qual ocorre uma re-negociação de suas identidades. O portador de uma competência intercultural tem como missão certificar-se de que os valores e os propósitos de sua organização estão sendo comunicados através da criação de uma base comum de significados, de uma visão compartilhada (SENGE, 1991). O artigo divide-se em duas seções: a primeira é mais longa e tem por fim apresentar um panorama da evolução do conceito de cultura, desde seus primórdios nas gavetas da antropologia até sua incursão nas ciências de gestão. Nesse percurso, veremos a principal diferença entre uma abordagem comparativa (crosscultural) e uma abordagem interativa do mesmo fenômeno (intercultural). Finalmente, a primeira parte termina apresentando os principais trabalhos realizados no campo da comunicação intercultural sobre os componentes e o desenvolvimento de uma competência intercultural, pois consideramos que esses trabalhos são valiosos e ainda não foram suficientemente explorados por pesquisadores no âmbito dos estudos organizacionais. A segunda seção busca refletir sobre algumas mudanças recentes que estão provocando uma evolução no campo da GIRH, especificamente no que diz respeito à definição de um perfil de competências de indivíduos com alto potencial. Tais mudanças confirmam a emergência de novos paradigmas que estabelecem e estabelecerão a lista de competências mais cobiçadas em um gestor internacional. Essa seção baseia-se, sobretudo, nos resultados de uma pesquisa qualitativa realizada, entre 2000 e 2002, com um grupo de gestores entre 30 e 55 anos, de várias empresas francesas de diversos setores, durante seminários de preparação para sua futura expatriação para o Brasil, por meio de questionários abertos sobre os componentes e a importância de certa “competência intercultural”. Foram também realizadas entrevistas qualitativas etnográficas (RIESSMAN, 1993) sobre experiências anteriores de expatriados, com relatos de sucessos e fracassos, o que nos permitiu identificar algumas qualidades necessárias para o sucesso de uma expatriação. O conjunto dessas habilidades varia muito pouco de uma empresa para outra. De maneira geral, os resultados dessa pesquisa mostram que o perfil de competência de um indivíduo “expatriável” compreenderia os seguintes elementos: habilidades inter-relacionais e inter-pessoais, habilidades lingüísticas, curiosidade e motivação para viver no exterior, tolerância face à incerteza e à ambigüidade, flexibilidade, paciência e respeito, empatia cultural e personalidade forte (ego strength), em outras palavras, estabilidade emocional e senso de humor. Uma competência intercultural seria o conjunto desses elementos adicionados à capacidade de perceber novos ambientes e adaptar-se a eles, como anteriormente mencionado, e, mais ainda, enfrentar um choque cultural e evitar armadilhas culturais (GUITEL, 2006). Esse artigo pretende, em primeiro lugar, abrir novas perspectivas de pesquisa no âmbito da GIRH e no campo da gestão intercultural, além de apresentar os resultados dessa pesquisa, ainda pequena e com muitos limites. Nosso principal objetivo é suscitar o interesse de pesquisadores e gestores para a problemática, e atrair sua atenção para os trabalhos sobre o assunto realizados no campo da comunicação intercultural.